terça-feira, 9 de junho de 2009

O CORAÇÃO DO HOMEM

O que busca o homem? Qual o sentido das suas ações? O que quer conquistar na vida?
Vejo o homem como um louco, correndo para o nada. Foi alimentado pela cultura do individualismo e acreditou que essa seria a sua salvação. A vaidade descontrolada fez nascer uma ambição doentia e essa, tornou-se a principal inimiga das verdadeiras boas intenções. Mergulhado nessa busca pela auto satisfação, acaba o homem por esquecer de procurar o verdadeiro sentido da vida. Consumido por um fogo que não se apaga, segue trilhando insanamente o caminho que o leva a perdição.
A verdadeira satisfação nunca vem, é o que observa o homem ambicioso já no final de sua vida. Já não tem forças para buscar a Verdade e o Absoluto, e assim, deixa-se consumir pelo pouco da vaidade que ainda lhe resta. É patético, lastimável e repugnante constatar o quanto equivocado e por conseguinte desamparado segue o homem a caminhar.
Agradar a Deus Pai, nem pensar, agora, exigir bênçãos relacionadas a suas perversas e vazias pretensões...
"Felizes somos nós, Israel, pois o que agrada a Deus nos foi revelado" Baruc, IV,4

quinta-feira, 4 de junho de 2009

ORAR E CONTEMPLAR

Depois de um longo período voltei!
Sinto que venho amadurecendo na fé, sei que fui escolhido , e não posso, de forma alguma, negar esse valoroso chamado.
Tenho visto e ouvido diversas observações relacionadas à Igreja, ao cristianismo e ao mundo. Observo com atenção sem muito me prender a isso, já que, nessa fase de minha conversão, o que me basta e contemplar e orar.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

TUDO PARA A GLÓRIA DE DEUS

Glorioso Pai, só tu me conheces, só tu conheces os meus anseios.
Quando nada mais resta, quando pouco significa os prazeres da carne, a minha alma engrandece.
Nada tenho a cumprir, nada a executar que não seja aquilo que te agrada. Assim me liberto, assim busco o que é vital.
Meu Pai, foi partindo o meu coração que me chamaste, e é nele, partido, que percebo a sua presença.
Senhor, tenha piedade dos anseios de outrora que ainda em mim habitam.
E que, agora e sempre, tudo em minha vida seja feito para a tua Glória.
Obrigado meu Bom Pastor, por esse dia, por esse momento.
Que a tua vontade, já manifestada, seja cumprida.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

BENTO XVI APRESENTA "ESCADA DO PARAÍSO " A PARTIR DE JOÃO CLÍMACO


Durante a audiência geral
CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009 (ZENIT.org).- Oferecemos a seguir a catequese que Bento XVI deu durante a audiência geral aos peregrinos na Sala Paulo VI.
* * *
Queridos irmãos e irmãs:
Depois de vinte catequeses dedicadas ao apóstolo Paulo, quero retomar hoje a apresentação dos grandes escritores da Igreja do Oriente na Idade Média. E proponho a figura de João, chamado Clímaco, transliteração latina do termo grego klímakos, que significa da escada (klímax). Trata-se do título de sua obra principal, na qual descreve a escada da vida humana até Deus. Ele nasceu por volta do ano 575. Sua vida aconteceu nos anos em que Bizâncio, capital do Império romano do Oriente, conheceu a maior crise de sua história. De repente, o quadro geográfico do império mudou e a torrente das invasões bárbaras fez cair todas as estruturas. Restou apenas a estrutura da Igreja, que nesses tempos difíceis continuou com sua ação missionária, humana e sócio-cultural, especialmente através da rede dos mosteiros, nos quais estavam grandes personalidades religiosas, como era precisamente o caso de João Clímaco.
Entre as montanhas do Sinai, onde Moisés encontrou Deus e Elias ouviu sua voz, João viveu e narrou suas experiências espirituais. Conservaram-se notícias dele em uma breve Vida (PG 88, 596-608), escrita pelo monge Daniel de Raito: aos 16 anos, João, monge no monte Sinai, tornou-se discípulo do abade Martirio, um «ancião», ou seja, um «sábio». Por volta dos 20 anos, escolheu viver como eremita em uma gruta aos pés de um monte, na localidade de Tola, a oito quilômetros do atual mosteiro de Santa Catarina. Mas a solidão não o impediu encontrar pessoas desejosas de ter um guia espiritual, nem visitar alguns mosteiros perto de Alexandria. Seu retiro eremítico, de fato, longe de ser uma fuga do mundo e da realidade humana, conduziu-o a um amor ardente aos demais (Vida 5) e a Deus (Vida 7). Após 40 anos de vida eremítica vivida no amor a Deus e ao próximo, anos durante os quais chorou, rezou, lutou contra os demônios, foi nomeado higúmeno (superior, N. do T.) do grande mosteiro do monte Sinai e voltou assim à vida cenobítica, no mosteiro. Mas alguns anos antes de sua morte, nostálgico da vida eremítica, passou ao irmão, monge do mesmo mosteiro, a guia da comunidade. Morreu depois do ano 650. A vida de João se desenvolve entre duas montanhas, o Sinai e o Tabor, e verdadeiramente se pode dizer dele que irradiava a luz que Moisés viu no Sinai e que os apóstolos contemplaram no Tabor.
Ele se tornou famoso, como já disse, por sua obra «A Escada» (klímax), chamada no Ocidente de Escada do Paraíso (PG 88, 632-1164). Composta pelas insistentes petições do higúmeno do mosteiro de Raito, perto do Sinai, a Escada é um tratado completo da vida espiritual, na qual João descreve o caminho do monge desde a renúncia ao mundo ate a perfeição do amor. É um caminho que – segundo este livro – acontece através de 30 escadas, cada uma das quais está unida à seguinte. O caminho pode resumir-se em três fases sucessivas: a primeira mostra a ruptura com o mundo, com o fim de voltar ao estado de infância evangélica. O essencial, portanto, não é a ruptura, mas a união com o que Jesus disse, a volta à verdadeira infância em sentido espiritual, o chegar a ser como crianças. João comenta: «um bom fundamento é formado por três bases e três colunas: inocência, jejum e castidade. Todos os recém-nascidos em Cristo (cf. 1 Cor 3, 1) devem começar por estas coisas, tomando o exemplo dos recém-nascidos fisicamente» (1, 20; 636). O afastamento voluntário das pessoas e lugares queridos permite à alma entrar em comunhão mais profunda com Deus. Esta renúncia desemboca na obediência, que é o caminho da humildade, através das humilhações – que não faltarão nunca – por parte dos irmãos. João comenta: «Bendito aquele que mortificou sua própria vontade até o final e que confiou o cuidado de sua pessoa ao seu mestre no Senhor: será colocado à direita do Crucificado» (4, 37; 704).
A segunda fase do caminho está constituída pelo combate espiritual contra as paixões. Cada escada está unida a uma paixão principal, que é definida e diagnosticada, indicando também a terapia e propondo a virtude correspondente. O conjunto destas escadas constitui sem dúvida o mais importante tratado de estratégia espiritual que possuímos. A luta contra as paixões se reveste de positividade – não se vê como uma coisa negativa – graças à imagem do «fogo» do Espírito Santo: «Todos aqueles que empreendem esta bela luta (cf. 1 Tm 6, 12), dura e árdua, [...], devem saber que vieram para lançar-se ao fogo, se verdadeiramente desejam que o fogo imaterial habite neles» (1, 18; 636), o fogo do Espírito Santo, que é o fogo do amor e da verdade. Só a força do Espírito Santo assegura vitória. Mas, segundo João Clímaco, é importante tomar consciência de que as paixões não são más em si mesmas; só o são pelo mau uso que a liberdade do homem faz delas. Se forem purificadas, as paixões abrem ao homem o caminho para Deus com energias unificadas pela ascética e pela graça e, «se receberam do Criador uma ordem e um princípio..., o limite da virtude não tem fim» (26/2, 37; 1068).
A última fase do caminho é a perfeição cristã que se desenvolve nos últimos sete degraus da Escada. Estes são os estágios mais altos da vida espiritual, experimentados pelos esicasti, os solitários, que chegaram à quietude e à paz interior; mas são estágios acessíveis também aos cenobitas mais fervorosos. Dos três primeiros – simplicidade, humildade e discernimento – João, em linha com os Padres do deserto, considera mais importante este último, ou seja, a capacidade de discernir. Todo comportamento deve submeter-se ao discernimento, tudo depende, de fato, de motivações profundas, que é necessário explorar. Aqui se entra no profundo da pessoa e se trata de despertar no eremita, no cristão, a sensibilidade espiritual e o «sentido do coração», dom de Deus: «Como guia e regra de todas as coisas, depois de Deus, devemos seguir a nossa consciência» (26/1, 5; 1013). Desta forma se chega à tranquilidade da alma, a esichía, graças à qual a alma pode vislumbrar o abismo dos mistérios divinos.
O estado de quietude, de paz interior, prepara o esicasta para a oração, que em João é dupla: a «oração corpórea» e a «oração do coração». A primeira é própria de quem deve fazer-se ajudar por posturas do corpo: estender as mãos, sussurrar, bater no peito etc. (15, 26; 900); a segunda é espontânea, porque é efeito do despertar da sensibilidade espiritual, dom de Deus a quem se dedica à oração corpórea. Em João esta toma o nome de «oração de Jesus» (Iesou euché) e é constituída pela invocação do nome de Jesus, uma invocação contínua como a respiração: «A memória de Jesus se faz uma com tua respiração, e então descobrirás a verdade da esichía», da paz interior (27/26; 1112). No final, a oração se torna algo muito simples, a palavra «Jesus» se converte em uma só coisa com a nossa respiração.
O último degrau da escada (30), repleto da «sóbria embriaguez do Espírito», dedica-se à suprema «trindade das virtudes»: a fé, a esperança e sobretudo a caridade. Da caridade, João fala também como eros (amor humano), figura da união matrimonial da alma com Deus. E escolhe mais uma vez a imagem do fogo para expressar o ardor, a luz, a purificação do amor a Deus. A força do amor humano pode ser reorientada para Deus, como sobre a oliveira pode-se enxertar oliva boa (cf. Rm 11, 24) (15, 66; 893). João está convencido de que uma experiência intensa desse eros faz a alma avançar mais que a dura luta contra as paixões, porque é grande seu poder. Prevalece, portanto, a positividade do nosso caminho. Mas a caridade se vê também em relação estreita com a esperança: «A força da caridade é a esperança: graças a ela esperamos a recompensa da caridade... A esperança é a porta da caridade... A ausência da esperança anula a caridade: a ela estão vinculadas nossas fadigas, por ela nos sustentamos em nossos problemas e graças a ela estamos rodeados pela misericórdia de Deus» (30, 16; 1157). A conclusão da Escada contém a síntese da obra, com palavras que o autor atribui ao próprio Deus:« Que esta escada te ensine a disposição espiritual das virtudes. Eu estou no cume desta escada, como disse aquele grande iniciado meu (São Paulo): ‘Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade’» (30, 18; 1160).
Neste ponto, impõe-se uma última pergunta: a Escada, obra escrita por um monge eremita que viveu há 1400 anos, pode dizer-nos algo hoje? O itinerário existencial de um homem que viveu sempre na montanha do Sinai em um tempo tão distante, pode ser de atualidade para nós? Em um primeiro momento, pareceria que a resposta deveria ser «não», porque João Clímaco está muito longe de nós. Mas, se observarmos um pouco mais de perto, vemos que aquela vida monástica é só um grande símbolo da vida batismal, da vida do cristão. Mostra, por assim dizer, em letras grandes o que nós escrevemos cada dia com letra pequena. Trata-se de um símbolo profético que revela o que é a vida do batizado, em comunhão com Cristo, com sua morte e sua ressurreição. Para mim, é particularmente importante o fato de que o cume da escada, os últimos degraus sejam ao mesmo tempo as virtudes fundamentais, iniciais, mais simples: a fé, a esperança e a caridade. Não são virtudes acessíveis só aos heróis morais, mas um dom de Deus para todos os batizados: nelas também cresce a nossa vida. O início é também o final, o ponto de partida é também o ponto de chegada: todo o caminho se dirige a uma realização cada vez mais radical da fé, da esperança e da caridade. Nestas virtudes está presente a escada. Fundamentalmente é a fé, porque esta virtude implica em que eu renuncie à arrogância, ao meu pensamento, à pretensão de julgar por mim mesmo, sem confiar-me a outros. Este caminho para a humildade, para a infância espiritual, é necessário: é necessário superar a atitude de arrogância que faz dizer: eu sou melhor, neste tempo meu do século XXI, do que sabiam os que viviam naquele então. É necessário, ao contrário, confiar-se somente à Sagrada Escritura, à Palavra do Senhor, aproximar-se com humildade do horizonte da fé, para entrar assim na enorme vastidão do mundo universal, do mundo de Deus. Dessa forma, nossa alma cresce, cresce a sensibilidade do coração para com Deus. João Clímaco diz justamente que só a esperança nos torna capazes de viver a caridade. A esperança na qual transcendemos as coisas de cada dia, não esperamos o êxito em nossos dias terrenos, mas esperamos finalmente a revelação do próprio Deus. Só nesta extensão de nossa alma, nesta autotranscendência, nossa vida se engrandece e podemos suportar os cansaços e desilusões de cada dia, podemos ser bons com os demais sem esperar recompensa. Só se Deus existe, esta grande esperança à qual tendo, posso cada dia dar os pequenos passos de minha vida e assim aprender a caridade. Na caridade se esconde o mistério da oração, do conhecimento pessoal de Jesus: uma oração simples que só tende a tocar o coração do divino Mestre. E assim se abre o próprio coração, aprende-se d’Ele sua própria bondade, seu amor. Usemos, portanto, esta «escada» da fé, da esperança e da caridade, e chegaremos assim à vida verdadeira.
[Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri
© Copyright 2009 - Libreria Editrice Vaticana]

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

O RETORNO DOS ABENÇOADOS

Poucos reconhecem, poucos sentem, poucos têm a noção exata. Dia após dia, a cada hora e minuto, somos abençoados por Deus. O amor por seus filhos é tanto, que mesmo os pródigos e rebeldes, são ainda abençoados. Nesse mundo, onde reina o maligno, cujos vassalos e súditos o reconhecem e o aceitam, continua o Bom Pai a derramar o seu amor e a abençoar, mesmo os ingratos e não merecedores. Se a dor existe, a culpa é dos filhos, que, em decorrência da escravidão do pecado, escravidão essa que é voluntária, acabaram por optar pelo caminho onde a dor é reflexo da escolha. Continuamos sim, a ser abençoados. O Pai , continua a acreditar nos seus filhos, prova maior foi que enviou o seu amado Filho para nos ensinar o caminho de volta, o caminho infelizmente da cruz, do sofrimento, o único caminho existente nesse mundo de trevas, onde reina satanás, que tem como seguidores os orgulhosos homens. Nesse único caminho, que representa na verdade o distanciamento de Deus pela escolha do homem, está também, para desespero e loucura dos amantes desse reino do mal, a única possibilidade de vencer o mundo e retornar aos braços do Pai, conforme é a Sua imensa vontade. Não é buscar o sofrimento, mas sim, aceitá-lo como inevitável e seguir, permanecendo na luta para fazer o que agrada ao Senhor, conforme nos foi revelado, o que é certamente para Ele, a grande prova de amor, o retorno do filho amado e abençoado, a vitória, a salvação.

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

A PROCURA DA VIDA INTERIOR

Garrigou-Lagrange, O. P.

A visão imediata de Deus ultrapassa as forças naturais de toda e qualquer inteligência criada, angélica ou humana. Uma inteligência criada pode, em sua atividade natural, conhecer a Deus pelo reflexo de suas perfeições na ordem criada, mas não pode vê-lo diretamente em Si mesmo como Ele se vê[1].
O anjo e a alma humana só se tornam capazes de um conhecimento sobrenatural de Deus e de um amor sobrenatural por Ele se tiverem recebido este enxerto divino que é a graça habitual ou santificante, participação da natureza divina ou da vida íntima de Deus. Só essa graça, recebida na essência de nossa alma como um dom gratuito, pode torná-la radicalmente capaz de operações propriamente divinas, isto é, de ver a Deus diretamente como Ele se vê e de O amar como Ele se ama.
Em outros termos, a deificação da inteligência, e a da vontade, supõe uma deificação da própria alma (em sua essência), donde derivam essas faculdades.
Essa graça, quando está consumada e inamissível, se chama a glória, e dela procedem, na inteligência dos bem-aventurados do céu, a luz sobrenatural que lhes dá a força de ver a Deus, e, na vontade, a caridade infusa que lhes fez amá-Lo, sem que possam daí em diante desviar-se d’Ele.
Em muitas ocasiões, já o notamos, Jesus repete: “Aquele que crê em mim tem a vida eterna”[2]. Não somente ele vai tê-la mais tarde, mas, num sentido, já a tem, porque a vida da graça é a vida eterna começada.
É, com efeito, a mesma vida em seu fundo, como o germe que está num fruto de carvalho tem a mesma vida que o carvalho desenvolvido; como a alma espiritual da criança pequena é a mesma que, um dia, desabrochará no homem feito.
No fundo, é a mesma vida divina, que está em germe no cristão aqui em baixo, e que está plenamente desabrochada nos santos do céu, que são verdadeiros viventes da vida da eternidade.
É a mesma vida sobrenatural, a mesma graça santificante, que está no justo aqui em baixo e nos santos do céu; é também a mesma caridade infusa, com duas diferenças. Aqui em baixo nós conhecemos a Deus não na claridade da visão, mas na obscuridade da fé infusa; e, além disso, ainda que esperemos possuí-Lo de modo inamissível, aqui embaixo podemos perdê-Lo por nossa culpa.
Mas, apesar dessas duas diferenças, relativas à fé e à esperança, é a mesma vida, porque é a mesma graça santificante e a mesma caridade; elas devem durar eternamente.
UMA CONSEQÜÊNCIA IMPORTANTE
Segue-se, desde agora, do que acabamos de dizer, ao menos uma suposição quanto ao caráter não extraordinário da contemplação infusa dos mistérios da fé e da união com Deus que resulta disso. Esta suposição se confirmará mais e mais a seguir e se tornará uma certeza.
A graça santificante e a caridade, que nos unem a Deus em sua vida íntima, são, com efeito, muito superiores às graças gratis datae e extraordinárias, como a profecia e o dom das línguas, que são apenas sinais da intervenção divina e que por si mesmos não nos unem intimamente a Deus. São Paulo o afirma muito claramente[3], e São Tomás o explica muitíssimo bem[4].
Ora, é da graça santificante, chamada “graça das virtudes e dos dons”[5], recebida por todos no batismo, e não das graças gratis datae e extraordinárias, que procede, nós o veremos, a contemplação infusa, ato da fé infusa, esclarecida pelos dons da inteligência e da sabedoria. Nisso os teólogos geralmente estão de acordo. Há então, desde agora, uma séria suposição de que a contemplação infusa e a união com Deus que daí resulta não são em si extraordinárias, como a profecia ou o dom das línguas; e, se elas não são em si extraordinárias, serão encontradas na vida normal da santidade.
* * *
Uma segunda razão é mais palpável ainda e deriva imediatamente do que acabamos de dizer: a graça santificante, estando por sua própria natureza ordenada para a vida eterna, é também ordenada de si, de modo normal, à disposição próxima perfeita para receber logo a luz da glória.
Com efeito, como a graça santificante é, de si, ordenada à vida eterna, ela também é ordenada a uma disposição próxima para receber a luz da glória logo após a morte, sem passar pelo purgatório. Porque o purgatório é uma pena que supõe uma falta que podia ter sido evitada, e uma insatisfação insuficiente, que podia ter sido completa, se tivéssemos aceitado melhor as penas da vida presente. É certo, com efeito, que alguém só será retido no purgatório pelas faltas que podia ter evitado ou pela negligência em repará-las. Normalmente, deveria ter feito seu purgatório nesta vida, tendo mérito, crescendo no amor, ao invés de fazê-lo depois da morte, sem ter mérito.
Ora, a disposição próxima para receber a luz da glória logo após a morte supõe uma verdadeira purificação, análoga à que se encontra nas almas que vão sair do purgatório, e que têm um desejo ardente da visão beatífica[6]. Esse desejo ardente só existe ordinariamente nesta vida na união com Deus que resulta da contemplação infusa dos mistérios da salvação. Esta parece bem, desde agora, não ser uma graça extraordinária, mas uma graça eminentemente na via normal da santidade.

A VIDA INTERIOR E A CONVERSA ÍNTIMA COM DEUS
Nostra conversatio in coelis est (Nossa conversação está no céu). (Fp 3, 20)
A vida interior, dizíamos nós, supõe o estado de graça, que é o germe da vida da eternidade. Entretanto, o estado de graça, que existe em toda criança após o batismo e em todo penitente que tenha recebido a absolvição de suas faltas, não basta para constituir o que se chama habitualmente a vida interior do cristão. É necessário, ainda, uma luta contra aquilo que nos faria recair no pecado e uma tendência séria da alma para Deus.
Deste ponto de vista, para fazer compreender o que deve ser a vida interior, convém compará-la com a conversa íntima que cada um de nós tem consigo mesmo. Sob a influência da graça, se formos fiéis, essa conversa íntima tende a se elevar, a se transformar e se tornar uma conversa com Deus. Eis aí uma observação elementar; mas as verdades mais vitais e mais profundas são as verdades elementares em que se pensou durante muito tempo, das quais se vive, e que acabam por tornar-se objeto de contemplação quase contínua.
Consideremos sucessivamente essas duas formas de conversa íntima, uma humana, e outra cada vez mais divina ou sobrenatural.

A CONVERSA DE CADA UM CONSIGO MESMO
Desde que o homem cesse de se ocupar exteriormente, de falar com seus semelhantes, desde que se encontre só, mesmo no meio do barulho de uma cidade grande, ele começa a entreter-se consigo mesmo. Se é jovem, pensa freqüentemente em seu futuro; se é velho, pensa no passado, e sua experiência feliz ou infeliz da vida fá-lo habitualmente julgar de maneira muito diferente as pessoas e os acontecimentos.
Se o homem permanece essencialmente egoísta, sua conversa íntima consigo mesmo é inspirada pela sensualidade ou pelo orgulho; ele se entretém com o objeto de sua cupidez, de sua inveja, e, como encontra em si mesmo a tristeza, a morte, busca fugir de si, exteriorizar-se, divertir-se para esquecer o vazio e o nada de sua vida.
Assim, a conversa íntima do egoísta consigo mesmo acaba na morte e não é, então, uma vida interior. Seu amor de si o leva a querer fazer-se o centro de tudo, a conduzir tudo a si, as pessoas e as coisas; e, como isso é impossível, ele freqüentemente chega ao desencanto e ao desgosto; torna-se insuportável para ele mesmo e para os outros e acaba por se odiar por ter querido amar-se demasiadamente; às vezes acaba por odiar a vida por ter desejado demasiadamente aquilo que há de inferior nela[7].
Apesar de tudo, nas horas de isolamento, a conversa íntima recomeça, como que para provar ao homem que ela não pode parar. Ele gostaria de interrompê-la, mas não pode. É o fundo da alma, que tem uma necessidade incoercível, à qual precisamos dar uma satisfação. Mas, na realidade, somente Deus pode responder a ela, e precisamos de qualquer modo tomar o caminho que leva a Ele. A alma tem necessidade de se entreter com outro que não seja ela mesma. Por quê? Porque ela não é o seu próprio fim último. Porque o seu fim é o Deus vivo, e porque ela só pode repousar n’Ele. Como diz Sto. Agostinho: “Irrequietum est cor nostrum, Domine, donec requiescat in te”[8].
* * *
São Paulo diz (1 Cor 2, 11): “Pois quem dentre os homens conhece as coisas do homem senão o espírito do homem que nele reside? Assim também as que são de Deus ninguém as conhece senão o Espírito de Deus.”
Mas o Espírito de Deus manifesta progressivamente às almas de boa vontade o que Deus deseja delas e o que Ele lhes quer dar. Pudéssemos receber docilmente tudo o que Deus nos quer dar! O Senhor diz àqueles que o procuram: “Tu não me procurarias, se já me não tivesse encontrado.”
Essa manifestação progressiva de Deus à alma que o procura não se dá sem luta; é necessário desembaraçar-se dos laços que são as conseqüências do pecado, e pouco a pouco desaparece o que São Paulo chama de “homem velho” e se forma “o homem interior”.
Ele escreve aos Romanos (7, 21): “Encontro, pois, em mim esta lei: quando quero fazer o bem, apresenta-se em mim o mal. Deleito-me na lei de Deus, segundo o homem interior. Sinto, porém, nos meus membros outra lei, que luta contra a lei do meu espírito.”
O que São Paulo chama de “homem interior” é o que há de principal e mais elevado em nós: a razão esclarecida pela fé e a vontade devem dominar a sensibilidade, comum ao homem e ao animal.
O mesmo São Paulo diz ainda: “Não percamos a coragem; ao contrário, na própria medida em que o homem exterior vai desaparecendo em nós, o homem interior se renova dia a dia.” Sua juventude espiritual é constantemente renovada, como a da águia, pelas graças que recebe todos os dias; assim como o padre que sobe ao altar pode sempre dizer, ainda que tenha 90 anos: “Introibo ad altare Dei, ad Deum qui laetificat juventutem meam — Eu venho ao altar de Deus, ao Deus que alegra a minha juventude” (Sl 13, 4).
* * *
À luz dessas palavras inspiradas, que lembram tudo o que Jesus, pregando as Beatitudes, nos prometeu e tudo o que Ele nos deu morrendo por nós, podemos definir a vida interior:
É uma vida sobrenatural que, por um verdadeiro espírito de abnegação e de oração, nos fez tender à união com Deus e a ela nos conduz.
Ela implica uma fase em que domina a purificação; outra, de iluminação progressiva, em vista da união com Deus, como ensina toda a Tradição, que distinguiu assim a via purificativa dos iniciantes, a via iluminativa dos que progridem e a via unitiva dos perfeitos.
A vida interior torna-se, assim, cada vez mais uma conversa com Deus, em que pouco a pouco o homem se desprende do egoísmo, do amor-próprio, da sensualidade, do orgulho.
Sto. Tomás insistiu muitas vezes neste ponto. Ele o fez particularmente em dois capítulos importantes da Contra Gentes, 1, c. XXI, XXII, sobre os efeitos e os sinais da habitação da Santíssima Trindade em nós.
“O mais próprio da amizade parece ser o conversar na companhia do amigo. Ora, a conversa do homem com Deus consiste em sua contemplação, como já dizia o Apóstolo (Fp 3, 20): ‘Nossa conversação está no céu’. Logo, como o Espírito Santo nos fez amar a Deus, conseqüentemente somos constituídos como contempladores de Deus pelo Espírito Santo. Por isso diz o Apóstolo: ‘Mas todos temos o rosto descoberto, refletimos, como num espelho, a glória do Senhor, e vemo-nos transformados nesta mesma imagem, sempre mais resplandecente, pela ação do Espírito do Senhor’.”
Aqueles que meditarem esses capítulos XXI a XXII do I. IV da Contra Gentes poderão averiguar se, para Sto. Tomás, a contemplação infusa dos mistérios da fé está ou não na via normal da santidade. São Francisco de Sales observa em algum lugar que, enquanto o homem, ao crescer, deve bastar-se e depende cada vez menos de sua mãe, que se lhe torna menos necessária quando ele atinge a idade adulta, e sobretudo a maturidade plena, o homem interior, ao contrário, toma ao crescer cada dia maior consciência de sua filiação divina, que o faz filho de Deus, e se torna cada vez mais criança em face d’Ele, até entrar por assim dizer no seio de Deus; os bem-aventurados no céu permanecem sempre nesse seio de Deus.
Jesu, spes poenitentibus,Quam pius es petentibus!Quam bonus te quoerentibus!Sed quid invenientibus!
Ó Jesus, esperança dos penitentes,Quão terno sois para aqueles que vos imploram,Bom para aqueles que vos procuram,Mas o que não sois para aqueles que vos encontram!
Nec lingua valet dicere Nec Littera exprimere,Expertus potest credereQuid sit Jesum diligere.
Nem a língua pode dizerNem a Escritura exprimirO que é amar ao Salvador;Aquele que experimentou, pode crer nisso.
Sejamos daqueles que O procuram, a quem está dito: “Tu não me procurarias se já não me tivesses encontrado.”
(de "As Três Idades da Vida Interior". Tradução: PERMANÊNCIA. Revista PERMANÊNCIA, nº 154/155, 1981)
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[1] Cf. Sto. Tomás, Ia., q. 12, a. 4.
[2] Jo, III, 36; V, 24, 39; VI, 40, 47, 55.
[3] Cf. I Cor., XII, 28 ss, XIII, 1ss.
[4] Ia. IIa, q. 111, a. 5: “Gratia gratum faciens est multo excellentior quam gratia gratis data”.
[5] Cf. Sto. Tomas, IIIa., q. 62, a. 1.
[6] Sto. Tomas explica muito bem esse vivo desejo de Deus que têm as almas do purgatório (nós aí chegaremos falando mais adiante das purificações passivas). Cf. IV Sent., d. 21, a. 1., ad tertiam. Assim, sofremos muito de fome quando, privados de alimento por mais de um dia, estaria na ordem radical de nosso organismo que nos restaurássemos. Está na ordem radical da vida da alma, da economia da salvação, possuir a Deus logo após a morte. Isso, longe de ser em si extraordinário, é a vida normal, como acontece na vida dos santos.
[7] Cf. Sto. Tomás, IIa IIa., q. 25, a. 7: Utrum peccatores seipsos diligant. “Mali non recte cognoscentes seipsos, non vere diligunt seipsos; sed diligunt id quod seipsos esse reputant. Boni autem vere cognoscentes seipsos, vere seipsos diligunt [...] quantum ad interiorem hominem [...] et delectabiliter ad cor proprium redeunt [...] E contrario mali non volunt conservari in integritate interioris hominis, neque appetunt ei spiritualia bona; neque ad hoc operantur; neque delectabile est eis secum convivere, redeundo ad cor, quia inveniunt ibi mala et praesentia et praeterita et futura, neque etiam sibi ipsis concordant propter conscientiam remordentem.”
[8] Confissões, I, 1. “Nosso coração vive inquieto, na insatisfação, enquanto não repousa em Vós.” É a prova da existência de Deus pelo desejo natural da felicidade, felicidade verdadeira e durável, que só se pode encontrar no Soberano Bem, ao menos imperfeitamente conhecido e amado acima de tudo, mais do que a nós mesmos. Desenvolvemos noutro lugar esta prova, cf. La Providence et la Confiance en Dieu, pp. 50-64.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O FIEL DEPOSITÁRIO

Sermão de 19 de março de 1657
BOSSUET

É opinião generalizada e sentir comum entre os homens que o depósito, isto é, um bem que recebemos para guardar, tem qualquer coisa de sagrado e que o devemos conservar para quem no-lo confia não somente por fidelidade mas por uma espécie de sentimento religioso. Por isso o grande Santo Ambrósio nos ensina no livro 29 de seus Ofícios que era piedoso costume estabelecido entre os fiéis o de trazer aos bispos e a seu clero aquilo que se queria guardar com mais cuidado, para que fosse colocado junto ao altar, em virtude da santa persuasão em que estavam de que não havia melhor lugar para guardar um tesouro do que aquele ao qual o próprio Deus confiou a guarda dos seus, isto é, os santos mistérios.
Este costume se tinha introduzido na Igreja a exemplo da sinagoga antiga. Lemos na História Sagrada que o augusto templo de Jerusalém era lugar de depósito para os judeus. Autores profanos também nos ensinam que os pagãos tributavam esta honra a seus falsos deuses, colocando seus depósitos nos templos e confiando-os a seus sacerdotes, como se a própria natureza das coisas nos ensinasse que o respeito ao depósito tem algo de religioso e que não pode estar mais bem colocado do que nos lugares santos onde se reverencia a Divindade, nas mãos daqueles que a religião consagra.
Ora, se jamais existiu depósito que merecesse tanto ser chamado santo, santamente guardado, é este de que falo, que a providência do Pai confia à fé do justo José, tanto assim que sua casa se assemelha a um templo porque Deus aí se digna habitar e entregar-se a Si próprio em depósito. José deve ter sido, portanto, consagrado a fim de guardar tão santo tesouro. E realmente o foi, cristãos: seu corpo pela continência, sua alma por todos os dons da graça. [...]
No projeto que me proponho, o de apoiar os louvores a São José, não em conjeturas duvidosas mas em doutrina sólida tirada das Escrituras divinas e dos Padres seus intérpretes fiéis, nada de mais conveniente posso fazer, na solenidade deste dia, do que apresentar este grande santo como um homem que Deus escolheu entre todos os outros para lhe pôr nas mãos Seu tesouro e fazê-lo, aqui na Terra, seu depositário. Pretendo fazer ver hoje que nada melhor lhe convém, que nada existe tão ilustre e que esse belo título de depositário, desvendando-nos os desígnios de Deus sobre esse bem-aventurado patriarca, nos mostra a fonte de todas as graças e o fundamento seguro de todos os louvores.
Primeiramente, cristãos, é-me fácil fazer-lhes ver o quanto esta qualidade é, para ele, honra, porque, se o título de depositário já inclui a nota de estima e testemunho de probidade, se para confiar um depósito costumamos escolher entre nossos amigos aquele cuja virtude é mais reconhecida, cuja fidelidade é mais comprovada, enfim o mais íntimo e mais confidente, qual não será glória de São José, que Deus fez depositário não somente da bem-aventurada Virgem Maria, cuja pureza angélica a torna agradável a Seus olhos, mas ainda de Seu próprio Filho, único objeto de suas complacências, única esperança de nossa salvação: de modo que guardando a pessoa de Jesus Cristo, São José é instituído depositário do tesouro comum de Deus e dos homens. Que eloqüência poderá igualar a grandeza e a majestade desse título?
Então, fiéis, se esse título é tão glorioso e vantajoso àquele a quem devo hoje fazer o panegírico, é preciso que eu mesmo penetre em tão grande mistério com o socorro da graça; e que, procurando nas Escrituras o que aí lemos sobre José, vos faça ver que tudo converge para esta bela qualidade de depositário.
Efetivamente encontro nos Evangelhos três depósitos confiados ao justo José pela Providência divina, e ali também encontro três qualidades que refulgem entre as outras e que correspondem a esses três depósitos. É o que precisamos explicar por ordem. Segui, por favor, atentamente.
O primeiro de todos os depósitos que foi confiado à sua fé (o primeiro na ordem do tempo) é a santa virgindade de Maria, a qual São José devia conservar intacta sob o véu sagrado do seu matrimônio, que ele sempre guardou santamente como um depósito sagrado que não lhe era permitido tocar. Eis o primeiro depósito.
O segundo, o mais augusto, é a pessoa de Jesus Cristo, que o Pai celeste depõe em suas mãos a fim de que lhe sirva de pai, ao Santo Menino que não o tem na Terra. Vede, desde já, cristãos, dois grandes, dois ilustres depósitos confiados ao zelo de São José. Mas observo ainda um terceiro, que acharão admirável, se eu conseguir explicá-lo com clareza. Para isso é preciso compreender que o segredo é uma espécie de depósito. Trair o segredo de um amigo é como violar a santidade do depósito. Pelas leis humanas sabemos que, se alguém divulga o segredo de um testamento a ele confiado, pode ser acusado de ter violado o depósito: Depositi actione tecum agi posse, dizem os juristas. É evidente, pois, a razão por que o segredo é como um depósito. Por onde podemos facilmente compreender que, se José é o depositário do Pai eterno, é porque Este lhe contou o Seu segredo. Que segredo? Um segredo admirável: a encarnação de Seu Filho.
Assim, porque, como sabemos, era desígnio de Deus esconder Jesus Cristo do mundo até que Sua hora houvesse chegado, São José foi escolhido não somente para O guardar mas também para O esconder. Por isso lemos no Evangelista (S. Lucas 2, 33) que José, com Maria, admirava tudo o que se dizia do Salvador, mas não lemos que ele falasse, porque o Pai eterno, desvendando-lhe o mistério, fez dele um segredo sob a obrigação do silêncio. Este segredo é o terceiro depósito que o Pai acrescenta aos outros dois. Segundo o que nos diz o grande São Bernardo, Deus quis confiar à sua fé o segredo mais santo de seu coração: Cui toto committeret secretissimum atque sacratissimum sui cordis arcanum (Super Missus est — hom. 2, no 15).
Como sois querido de Deus, ó incomparável José, já que Ele a vós confia esses três grandes depósitos: a Virgindade de Maria, a pessoa de Seu Filho único e o segredo de Seu mistério!
Mas não julgueis, cristãos, que ele desconhecia essas graças. Se Deus o honrava com aqueles três depósitos, de sua parte José apresentava a Deus, em sacrifício, três virtudes que observo no Evangelho. Não duvido que sua vida tenha sido ornada com todas as outras, mas eis aqui as três principais virtudes que Deus quer que vejamos na sua Escritura. A primeira é a pureza, que aparece pela continência no seu matrimônio; a segunda, sua fidelidade; a terceira, sua humildade e seu amor à vida obscura. Quem não verá a pureza de São José nesta santa sociedade de desejos pudicos, nesta admirável correspondência à Virgindade de Maria e em suas bodas espirituais? A segunda, sua fidelidade, aparece nos cuidados infatigáveis que tem para com Jesus no meio das tantas adversidades que por todas as partes seguem esse Menino divino desde o começo de sua vida. A terceira, sua humildade, vê-se em que, possuindo tão grande tesouro por uma graça extraordinária do Pai eterno, longe de se vangloriar por esses dons ou de publicar suas vantagens, se esconde tanto quanto pode aos olhos dos mortais, contemplando, em gozo pacífico com Deus, o mistério que lhe fora revelado e as riquezas imensas que tem sob sua guarda.
Ah! Quanta grandeza descubro aqui e como aqui descubro tão importantes instruções! Quanta grandeza vejo nesses depósitos, quantos exemplos vejo nessas virtudes! E como a explicação desse assunto tão belo será glorioso para São José e frutuoso para todos os fiéis!
(PERMANÊNCIA, ano XI, março/abril, números 112/113.)