quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

BENTO XVI APRESENTA "ESCADA DO PARAÍSO " A PARTIR DE JOÃO CLÍMACO


Durante a audiência geral
CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009 (ZENIT.org).- Oferecemos a seguir a catequese que Bento XVI deu durante a audiência geral aos peregrinos na Sala Paulo VI.
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Queridos irmãos e irmãs:
Depois de vinte catequeses dedicadas ao apóstolo Paulo, quero retomar hoje a apresentação dos grandes escritores da Igreja do Oriente na Idade Média. E proponho a figura de João, chamado Clímaco, transliteração latina do termo grego klímakos, que significa da escada (klímax). Trata-se do título de sua obra principal, na qual descreve a escada da vida humana até Deus. Ele nasceu por volta do ano 575. Sua vida aconteceu nos anos em que Bizâncio, capital do Império romano do Oriente, conheceu a maior crise de sua história. De repente, o quadro geográfico do império mudou e a torrente das invasões bárbaras fez cair todas as estruturas. Restou apenas a estrutura da Igreja, que nesses tempos difíceis continuou com sua ação missionária, humana e sócio-cultural, especialmente através da rede dos mosteiros, nos quais estavam grandes personalidades religiosas, como era precisamente o caso de João Clímaco.
Entre as montanhas do Sinai, onde Moisés encontrou Deus e Elias ouviu sua voz, João viveu e narrou suas experiências espirituais. Conservaram-se notícias dele em uma breve Vida (PG 88, 596-608), escrita pelo monge Daniel de Raito: aos 16 anos, João, monge no monte Sinai, tornou-se discípulo do abade Martirio, um «ancião», ou seja, um «sábio». Por volta dos 20 anos, escolheu viver como eremita em uma gruta aos pés de um monte, na localidade de Tola, a oito quilômetros do atual mosteiro de Santa Catarina. Mas a solidão não o impediu encontrar pessoas desejosas de ter um guia espiritual, nem visitar alguns mosteiros perto de Alexandria. Seu retiro eremítico, de fato, longe de ser uma fuga do mundo e da realidade humana, conduziu-o a um amor ardente aos demais (Vida 5) e a Deus (Vida 7). Após 40 anos de vida eremítica vivida no amor a Deus e ao próximo, anos durante os quais chorou, rezou, lutou contra os demônios, foi nomeado higúmeno (superior, N. do T.) do grande mosteiro do monte Sinai e voltou assim à vida cenobítica, no mosteiro. Mas alguns anos antes de sua morte, nostálgico da vida eremítica, passou ao irmão, monge do mesmo mosteiro, a guia da comunidade. Morreu depois do ano 650. A vida de João se desenvolve entre duas montanhas, o Sinai e o Tabor, e verdadeiramente se pode dizer dele que irradiava a luz que Moisés viu no Sinai e que os apóstolos contemplaram no Tabor.
Ele se tornou famoso, como já disse, por sua obra «A Escada» (klímax), chamada no Ocidente de Escada do Paraíso (PG 88, 632-1164). Composta pelas insistentes petições do higúmeno do mosteiro de Raito, perto do Sinai, a Escada é um tratado completo da vida espiritual, na qual João descreve o caminho do monge desde a renúncia ao mundo ate a perfeição do amor. É um caminho que – segundo este livro – acontece através de 30 escadas, cada uma das quais está unida à seguinte. O caminho pode resumir-se em três fases sucessivas: a primeira mostra a ruptura com o mundo, com o fim de voltar ao estado de infância evangélica. O essencial, portanto, não é a ruptura, mas a união com o que Jesus disse, a volta à verdadeira infância em sentido espiritual, o chegar a ser como crianças. João comenta: «um bom fundamento é formado por três bases e três colunas: inocência, jejum e castidade. Todos os recém-nascidos em Cristo (cf. 1 Cor 3, 1) devem começar por estas coisas, tomando o exemplo dos recém-nascidos fisicamente» (1, 20; 636). O afastamento voluntário das pessoas e lugares queridos permite à alma entrar em comunhão mais profunda com Deus. Esta renúncia desemboca na obediência, que é o caminho da humildade, através das humilhações – que não faltarão nunca – por parte dos irmãos. João comenta: «Bendito aquele que mortificou sua própria vontade até o final e que confiou o cuidado de sua pessoa ao seu mestre no Senhor: será colocado à direita do Crucificado» (4, 37; 704).
A segunda fase do caminho está constituída pelo combate espiritual contra as paixões. Cada escada está unida a uma paixão principal, que é definida e diagnosticada, indicando também a terapia e propondo a virtude correspondente. O conjunto destas escadas constitui sem dúvida o mais importante tratado de estratégia espiritual que possuímos. A luta contra as paixões se reveste de positividade – não se vê como uma coisa negativa – graças à imagem do «fogo» do Espírito Santo: «Todos aqueles que empreendem esta bela luta (cf. 1 Tm 6, 12), dura e árdua, [...], devem saber que vieram para lançar-se ao fogo, se verdadeiramente desejam que o fogo imaterial habite neles» (1, 18; 636), o fogo do Espírito Santo, que é o fogo do amor e da verdade. Só a força do Espírito Santo assegura vitória. Mas, segundo João Clímaco, é importante tomar consciência de que as paixões não são más em si mesmas; só o são pelo mau uso que a liberdade do homem faz delas. Se forem purificadas, as paixões abrem ao homem o caminho para Deus com energias unificadas pela ascética e pela graça e, «se receberam do Criador uma ordem e um princípio..., o limite da virtude não tem fim» (26/2, 37; 1068).
A última fase do caminho é a perfeição cristã que se desenvolve nos últimos sete degraus da Escada. Estes são os estágios mais altos da vida espiritual, experimentados pelos esicasti, os solitários, que chegaram à quietude e à paz interior; mas são estágios acessíveis também aos cenobitas mais fervorosos. Dos três primeiros – simplicidade, humildade e discernimento – João, em linha com os Padres do deserto, considera mais importante este último, ou seja, a capacidade de discernir. Todo comportamento deve submeter-se ao discernimento, tudo depende, de fato, de motivações profundas, que é necessário explorar. Aqui se entra no profundo da pessoa e se trata de despertar no eremita, no cristão, a sensibilidade espiritual e o «sentido do coração», dom de Deus: «Como guia e regra de todas as coisas, depois de Deus, devemos seguir a nossa consciência» (26/1, 5; 1013). Desta forma se chega à tranquilidade da alma, a esichía, graças à qual a alma pode vislumbrar o abismo dos mistérios divinos.
O estado de quietude, de paz interior, prepara o esicasta para a oração, que em João é dupla: a «oração corpórea» e a «oração do coração». A primeira é própria de quem deve fazer-se ajudar por posturas do corpo: estender as mãos, sussurrar, bater no peito etc. (15, 26; 900); a segunda é espontânea, porque é efeito do despertar da sensibilidade espiritual, dom de Deus a quem se dedica à oração corpórea. Em João esta toma o nome de «oração de Jesus» (Iesou euché) e é constituída pela invocação do nome de Jesus, uma invocação contínua como a respiração: «A memória de Jesus se faz uma com tua respiração, e então descobrirás a verdade da esichía», da paz interior (27/26; 1112). No final, a oração se torna algo muito simples, a palavra «Jesus» se converte em uma só coisa com a nossa respiração.
O último degrau da escada (30), repleto da «sóbria embriaguez do Espírito», dedica-se à suprema «trindade das virtudes»: a fé, a esperança e sobretudo a caridade. Da caridade, João fala também como eros (amor humano), figura da união matrimonial da alma com Deus. E escolhe mais uma vez a imagem do fogo para expressar o ardor, a luz, a purificação do amor a Deus. A força do amor humano pode ser reorientada para Deus, como sobre a oliveira pode-se enxertar oliva boa (cf. Rm 11, 24) (15, 66; 893). João está convencido de que uma experiência intensa desse eros faz a alma avançar mais que a dura luta contra as paixões, porque é grande seu poder. Prevalece, portanto, a positividade do nosso caminho. Mas a caridade se vê também em relação estreita com a esperança: «A força da caridade é a esperança: graças a ela esperamos a recompensa da caridade... A esperança é a porta da caridade... A ausência da esperança anula a caridade: a ela estão vinculadas nossas fadigas, por ela nos sustentamos em nossos problemas e graças a ela estamos rodeados pela misericórdia de Deus» (30, 16; 1157). A conclusão da Escada contém a síntese da obra, com palavras que o autor atribui ao próprio Deus:« Que esta escada te ensine a disposição espiritual das virtudes. Eu estou no cume desta escada, como disse aquele grande iniciado meu (São Paulo): ‘Por ora subsistem a fé, a esperança e a caridade - as três. Porém, a maior delas é a caridade’» (30, 18; 1160).
Neste ponto, impõe-se uma última pergunta: a Escada, obra escrita por um monge eremita que viveu há 1400 anos, pode dizer-nos algo hoje? O itinerário existencial de um homem que viveu sempre na montanha do Sinai em um tempo tão distante, pode ser de atualidade para nós? Em um primeiro momento, pareceria que a resposta deveria ser «não», porque João Clímaco está muito longe de nós. Mas, se observarmos um pouco mais de perto, vemos que aquela vida monástica é só um grande símbolo da vida batismal, da vida do cristão. Mostra, por assim dizer, em letras grandes o que nós escrevemos cada dia com letra pequena. Trata-se de um símbolo profético que revela o que é a vida do batizado, em comunhão com Cristo, com sua morte e sua ressurreição. Para mim, é particularmente importante o fato de que o cume da escada, os últimos degraus sejam ao mesmo tempo as virtudes fundamentais, iniciais, mais simples: a fé, a esperança e a caridade. Não são virtudes acessíveis só aos heróis morais, mas um dom de Deus para todos os batizados: nelas também cresce a nossa vida. O início é também o final, o ponto de partida é também o ponto de chegada: todo o caminho se dirige a uma realização cada vez mais radical da fé, da esperança e da caridade. Nestas virtudes está presente a escada. Fundamentalmente é a fé, porque esta virtude implica em que eu renuncie à arrogância, ao meu pensamento, à pretensão de julgar por mim mesmo, sem confiar-me a outros. Este caminho para a humildade, para a infância espiritual, é necessário: é necessário superar a atitude de arrogância que faz dizer: eu sou melhor, neste tempo meu do século XXI, do que sabiam os que viviam naquele então. É necessário, ao contrário, confiar-se somente à Sagrada Escritura, à Palavra do Senhor, aproximar-se com humildade do horizonte da fé, para entrar assim na enorme vastidão do mundo universal, do mundo de Deus. Dessa forma, nossa alma cresce, cresce a sensibilidade do coração para com Deus. João Clímaco diz justamente que só a esperança nos torna capazes de viver a caridade. A esperança na qual transcendemos as coisas de cada dia, não esperamos o êxito em nossos dias terrenos, mas esperamos finalmente a revelação do próprio Deus. Só nesta extensão de nossa alma, nesta autotranscendência, nossa vida se engrandece e podemos suportar os cansaços e desilusões de cada dia, podemos ser bons com os demais sem esperar recompensa. Só se Deus existe, esta grande esperança à qual tendo, posso cada dia dar os pequenos passos de minha vida e assim aprender a caridade. Na caridade se esconde o mistério da oração, do conhecimento pessoal de Jesus: uma oração simples que só tende a tocar o coração do divino Mestre. E assim se abre o próprio coração, aprende-se d’Ele sua própria bondade, seu amor. Usemos, portanto, esta «escada» da fé, da esperança e da caridade, e chegaremos assim à vida verdadeira.
[Tradução: Élison Santos. Revisão: Aline Banchieri
© Copyright 2009 - Libreria Editrice Vaticana]

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